sexta-feira, 25 de maio de 2012

O imediatismo dos pacotes (Por Márcio G. P. Garcia)

"Primum non nocere" é princípio básico da ética médica, segundo o qual o médico deve avaliar, antes de tomar qualquer atitude, se sua ação poderá prejudicar mais o doente do que se nada fosse feito. Tal ensinamento aplica-se a várias outras áreas, inclusive à economia. Infelizmente, não vem encontrando o devido eco na condução da política econômica brasileira recente. A desaceleração mais forte da economia vem suscitando uma sucessão de "pacotes" de estímulo econômicos, cada vez mais patéticos.
Tais pacotes advêm de um diagnóstico comum: falta demanda. E prescrevem doses crescentes dos mesmos remédios: subsídios ao crédito e desonerações tributárias, sempre focalizados em poucos produtos e setores, escolhidos por critérios obscuros. Frequentemente, têm sido também criadas barreiras a produtos importados que competem com a produção de setores com lobby mais forte em Brasília, notadamente o automobilístico.
De fato, a economia brasileira ora passa por um momento de arrefecimento da demanda, e é função da política econômica suavizar, na medida do possível, o ciclo econômico. No entanto, corrigir as raras e breves ocasiões de falta de demanda não é problema que tenha ameaçado o desempenho da economia brasileira, muito pelo contrário. Dificuldades pelo lado da oferta, essas, sim, constituem gargalos estruturais que vêm, há muito, prejudicando o crescimento econômico. E, com frequência, os pacotes de estímulo à demanda, em vez de destravar a oferta e ajudar no crescimento da produtividade da economia, representam aumento do custo Brasil para setores não beneficiados pelas medidas governamentais.
A política econômica recente vem ficando cada vez mais parecida com aquelas que vigoraram no período pré-Real, quando as regras eram mudadas com grande frequência. Isso se choca frontalmente com os preceitos da teoria econômica moderna, que têm enfatizado, cada vez mais, a importância da manutenção de incentivos propícios ao crescimento econômico e à prosperidade. Incentivos que só podem surtir efeito se baseados em regras e instituições estáveis ao longo do tempo. A instabilidade advinda da sucessão de pacotes prejudica o investimento e o crescimento.
Um empresário racional que se defronte com dificuldades, em vez de se esforçar para reduzir custos ou investir para aumentar a produtividade, logo perceberá ser mais lucrativo juntar-se a um lobby para extrair benesses em Brasília ou na avenida Chile. Não chega a ser surpreendente que isso venha ocorrendo.
Confesso que até mesmo eu acho monótona a repetição do argumento de que as reformas estruturais (previdenciária, tributária, trabalhista) precisam voltar a ser prioridade. Mas nem mesmo o modesto projeto de limitar o crescimento real da folha salarial do setor público sai da gaveta do deputado relator, que alega que não o fará até a presidente afirmar que a medida é, de fato, prioritária.
Há indicações cada vez mais evidentes de que a política econômica carece de visão coerente de longo prazo. Por exemplo, ao justificar as decisões do recente pacote, o ministro do Desenvolvimento declarou que "o governo está conjugando medidas estruturais, como é o caso da redução sistemática da taxa de juros, com medidas conjunturais..." (Valor Econômico, 23/5/2012, pág. A3). Tal declaração contém dupla impropriedade. Primeiro, porque atribui a redução dos juros à suposta agenda de medidas estruturais do governo, enquanto deveria ser responsabilidade autônoma do BC, a se crer nas declarações da presidente Dilma e do presidente do BC. Segundo, e mais importante, porque alterações da taxa de juros são, por definição, medidas anticíclicas e, portanto, conjunturais. Estruturais seriam medidas que permitissem ao BC reduzir os juros sem colocar em risco o controle inflacionário, como um verdadeiro ajuste fiscal, que arrefecesse a expansão do gasto corrente, e estimulasse o investimento público. Mas estas, o governo parece desinteressado ou incapaz de promover.
Como disse um amigo, a estratégia econômica atual assemelha-se cada vez mais à do enxadrista improvisado: "Peça pra frente, que xadrez é sorte"!
Márcio G. P. Garcia, PhD por Stanford e professor do Departamento de Economia da PUC-Rio.

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